Tim Rescala

Tim Rescala

✎ Perfil e músicas do compositor

Música e cena

Tim RescalaEssa influência da cena vem de vários lados. Em primeiro lugar da minha própria formação, porque eu sou filho de músicos, mais precisamente de cantores, meu pai era barítono do Municipal, e eu me habituei a frequentar o Theatro Municipal junto com o meu irmão, que hoje também é um cantor de ópera do Theatro. Então, de certa forma, naturalmente, a cena foi entrando no meu universo cultural através dessas idas ao teatro, porque a gente ficava procurando onde estava o meu pai.

Existe um encanto do teatro, além da questão da música em si, mas o encanto do teatro propriamente dito, principalmente o Theatro Municipal, e o convívio com a ópera você já está lidando com uma linguagem que conta uma história através da música. Então isso foi entrando no meu subconsciente sonoro, cultural, musical naturalmente e fora isso tem dois acontecimentos que eu acho que foram importantes.

Tim RescalaUm é que eu estava frequentando um curso de música contemporânea, que se chamava “Curso Latino Americano de Música Contemporânea” e que no final do curso, era realizado em países diferentes, no caso em duas edições no Brasil, que eu fiz todas que eu podia fazer, no final do curso de duas semanas em que a gente tinha aulas com professores de vários países e a gente apresentava os trabalhos. Então, quando eu tinha de 17 para 18 anos, eu frequentei um desses cursos fiz um trabalho para piano, uma composição de um minuto, e queria que um pianista tocasse, eu não queria tocar, eu queria que um pianista tocasse a minha música, eu fui procurando até que achei uma pianista que tocou a peça, que se chamava “Camiante”, depois veio a se tornar uma grande pianista nessa área da música contemporânea, ela falou que tocava a minha peça. Ela estudou, sendo que a peça anterior a minha era para piano preparado, o piano preparado é um tipo de utilização do instrumento em que você coloca vários objetos dentro dele, entre as cordas, papel celofane, parafusos e você muda o timbre do piano. Então ele me falou na hora: “a peça anterior é para piano preparado e o pianista não despreparou o piano, eu tenho que tirar as coisas daqui e enquanto isso você explica a sua peça para as pessoas”. “Mas eu não tenho o que explicar, eu não tenho o que dizer”, respondi. Ela me falou: “se vira aí”.

Eu fui e comecei a dizer que a peça chamava-se Camiante e não tinha mais o que dizer. Eu olhava para trás e todo momento ela fazia gestos com a mão para eu continuar e no meio da minha conversa fiada, eu tentando explicar o que não tinha explicação saiu uma nota do piado e as pessoas começaram a rir e eu pensando que a peça não era para rir. Isso durou uns cinco a seis minutos nessa situação e as pessoas rindo cada vez mais. Quando ela tocou a peça ai que caíram na gargalhada.

Tim Rescala Depois que eu ouvia essa peça, eu achava ela engraçadíssima, mas na hora eu tentava explicar que não era para rir e todo mundo ria. No final, me perguntaram se a minha peça era para teatro musical e que era muito boa. Eu tentava explicar que não era, mas foi ai que notei realmente que o elemento cênico, nesse caso foi totalmente inusitado, poderia ser utilizado como um dos elementos de composição e fui observando também que muitos músicos tem essa postura de como se estivesse anulando a plateia, tem gente que toca até sem olhar para a plateia, como alguns maestros, eles tocam de costas, eu vi shows que eles não olham para a plateia em momento nenhum.

Eu vi que não, que quando o artista entra no palco, ele sobe no palco, ele já está assumindo uma postura cênica, mesmo que seja de negação da cena, mesmo que seja de confrontamento, é impossível você dissociar essa situação de estar no palco de uma dramaturgia qualquer, de uma cena.

Formação e influências

A minha formação foi de certa forma tradicional em termos de música, eu fui estudar piano, harmonia, contraponto, aquele percurso natural. Eu estudei piano, estudei composição com Roiter durante uns quatro anos, foi muito importante para mim, ao mesmo tempo em que eu fiz licenciatura de música na UniRio, mas esse processo todo de mudança ai e aconteceu antes, porque até essa primeira experiência com o teatro e esse episódio que aconteceu, a minha preocupação era fazer música de concerto, ou para piano, ou para orquestra, era nesse universo.

Você tem que fazer aquilo que você tem vontade, que você gosta, que te dá um retorno, que te dá prazer. Então, as minhas referências fora os tradicionais como Bach, Mozart e Beethoven, os previsíveis. Na música do século XX era o Stravinski, Luciano Berio, Luigi Nono. No Brasil, Vila Lobos, Edino Krieger, Guerra-Peixe, estilos diversos, mas era a música contemporânea, a música de concerto brasileira. Era aquilo que eu queria fazer.

As minhas referências de humor eram as referências de televisão. Assisti ao Chico Anysio, que eu me lembro que gostava muito, ele tinha um programa que eu acho que era na quinta-feira. A minha referência era essa de televisão. Porque eu não assistia peças normalmente.

Audiovisual

Tim RescalaA música para imagem ou audiovisual é uma obra de coautoria, são várias pessoas fazendo uma coisa só e essa coautoria tem uma cabeça que é o diretor. Você tem que ter a humildade de perceber isso, dosar e entender as particularidades daquele veículo. Uma coisa muito importante que se faz quando se estuda música em qualquer estilo é conhecer esses gêneros, quais os clichês, quais são os procedimentos, que caracterizam aquele gênero.

Porque um violonista que não sabe ler ou escrever música pode acompanhar qualquer música em qualquer tom, um samba por exemplo. Porque ele conhece o estilo. O compositor não sabe entre aspas, ele sabe música, ele não sabe música no sentido acadêmico, não sabe escrever, mas ele sabe música, ele sabe compor naquele estilo, ele conhece as normas daquele estilo e o cara que vai acompanhá-lo também. É tudo um aprendizado, ou seja, um conhecimento, daquele estilo, da mesma forma a música para imagem tem as suas particularidades.

O que acontece é que o jovem compositor comete alguns erros, que certamente com o tempo ele vai deixar de cometer. Por exemplo, eu não posso usar graves demais e agudos, até um tempo atrás simplesmente não se ouvia, porque as televisões não tinham autofalante suficiente que pegassem um superagudo ou um super-grave. Hoje em dia, até tem, mas tem certas coisas que a gente tem que obedecer. Por exemplo, música cantada junto com dialogo, não. Porque o diálogo compete com a música e vice e versa, e tira a atenção. Se for uma música cantada em outra língua, mesmo mal, mas mesmo assim é uma briga. São coisas que aos poucos você vai entendendo como é a natureza desse trabalho.

✎ Confira a transcrição completa da participação de Tim Rescala

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